segunda-feira, 26 de abril de 2010

Álbuns Fodônicos - Aja (Steely Dan)



(by Fred Beltrão)

Em 1977, a Guerra Fria havia esfriado de vez (aparentemente), a ditadura militar no Brasil já mostrava sinais de fraqueza na era Geisel e a China já preparava o território para a subida de Deng Xiaoping ao poder, iniciando seu crescimento desenfreado.

Na música, os Bee Gees e o filme Os Embalos de Sábado a Noite transformaram a música disco em febre, enquanto o punk destruía o rock progressivo na terra da Rainha Vitória e o Fleetwood Mac conquistava o mundo com o seu magnum opus Rumours (na época o disco mais vendido da história). O Pink Floyd apresentou sua legendária turnê In The Flesh, que enlouqueceu Roger Waters de vez e Jean Michel Jarre revolucionou a música com o seu disco seminal Oxygène, praticamente firmando a música eletrônica como um dos principais estilos musicais, e se estabelecendo como o músico francês mais famoso da história.

Alheio a tudo isto estava o Steely Dan, que há anos havia trocado o mundo de excessos do rock pelo conforto quase insular dos estúdios de Los Angeles. Ignorando completamente o mundo ao seu redor, eles lançaram uma obra-prima, quase esquecida no meio musical, o disco Aja.



Steely Dan foi uma “banda” fundada em 1972 por Walter Becker (inicialmente o baixista) e Donald Fagen (teclados e vocais). Inicialmente eles eram uma banda de fato, (muito bem) acompanhados pelos guitarristas Jeff “Skunk” Baxter e Denny Dias, pelo baterista Jim Hodder e pelo vocalista David Palmer (que só gravou o primeiro disco da banda, e só fez lead em uma música). Becker e Fagen escreviam todas as músicas e arranjos, todos extremamente luxuosos, bem trabalhados e que misturavam inúmeros gêneros.

A altíssima qualidade musical, a competência dos músicos e as fantásticas letras de Don Fagen (sorry Roger Waters e Bob Dylan, mas Fagen está um patamar acima) transformaram o Steely Dan num sucesso instantâneo sendo uma das maiores bandas de jazz-rock e também uma das maiores influências no soft-rock. O primeiro disco Can’t Buy A Thrill (1972) vendeu horrores, e conteve clássicos como “Do It Again” e “Reelin’ In The Years”.



O arranjo de banda logo falhou e o Steely Dan acabou se tornando uma dupla cada vez mais ambiciosa, que parou de fazer turnês e que utilizava os músicos mais competentes do momento para realizar suas idéias. Isso rendeu clássicos como Countdown To Ecstasy (1973), Pretzel Logic (1974), Katy Lied (1975), The Royal Scam (1976) e, finalmente, o objeto de estudo desta resenha, Aja (1977).



Becker e Fagen estavam seguindo uma linha cada vez mais agressiva e puxada pro rock nas suas músicas, culminando em The Royal Scam, um disco altamente sarcástico, sombrio e, arrisco dizer, pesado. Contrariando todas as expectativas, eles mudaram o estilo, removendo o lado rock quase que por completo e deixando o jazz correr solto. O resultado foi um dos melhores discos da história.

Aja é uma obra complexa, diversa, extremamente elegante e sofisticada. É o tipo de disco que fica na cabeça por dias depois que você o escuta pela primeira vez. Liricamente falando, é fantástico, apesar de ser extremamente depressivo. É como se Fagen tivesse trocado a ironia e o sarcasmo dos discos anteriores por melancolia, apesar das suas tiradas sarcásticas ainda aparecerem, mesmo que de forma mais sutil.

Para concretizar suas composições, Becker e Fagen reuniram um grupo absurdo de músicos de sessão, incluindo os guitarristas Larry Carlton, Jay Graydon e Lee Ritenour, os baixistas Chuck Rainey e Leland Sklar, os tecladistas Victor Feldman e Michal Omartian, os bateristas Bernard Purdie, Steve Gadd e Jim Keltner, o saxofonista Wayne Shorter entre inúmeros outros.

O disco começa com a canção “Black Cow”, um relaxante misto de smooth jazz e R&B. Uma calma introdução que conta a história de um sujeito que vê sua mulher rodeada de amantes num bar suburbano. O clima melancólico é realçado pelas backing vocals durante o refrão e o solo de sax no final é excelente e bem divertido, o que entra em contraste direto com o tema lírico da música.

A grande tour-de-force do álbum é a faixa-título, que vem logo em seqüência. “Aja” é, na falta de um termo melhor para descrever, uma música DO CARALHO. A música é uma suíte de jazz, que integra temas orientais e latinos. O início é calmo, cantado, com um clima quase místico realçado pela letra que forma mais imagens do que um sentido concreto. Após isso, a parte instrumental começa, e all hell breaks loose. Primeiramente, um misto de salsa e música oriental, permeada pelo trabalho de guitarra de Larry Carlton e depois, um monstruoso solo de saxofone de Wayne Shorter, acompanhado por uma das levadas mais complexas já vistas na bateria, cortesia de Steve Gadd. Depois da apoteose instrumental, a música volta ao tema cantado, e termina com mais uma levada de Gadd, fechando com chave de ouro uma das canções mais bem trabalhadas e bonitas já vistas.

O disco segue com “Deacon Blues”, uma música que conta a história de um alcoólatra suicida, que busca consolo transando com mulheres aleatórias durante a noite. É uma canção triste e longa com um arranjo de metais excelente, e as guitarras de Lee Ritenour e de Dean Parks formam um acompanhamento perfeito.

Peg” é, como descreveu a Rolling Stone, uma peça de uma comédia musical absurda, que fala sobre um sujeito com uma paixão platônica por uma modelo. A harmonia vocal de Michael McDonald no refrão realça ainda mais o clima cômico da música, e o excelente solo de guitarra de Jay Graydon é um dos poucos momentos de puro rock do disco.

Depois de “Peg” vem “Home At Last”, outra peça interessantíssima. O groove de Bernard Purdie na bateria (o lendário Purdie Shuffle) dá a pulsação para uma versão moderna da Odisséia, de Homero. O arranjo de metais, somado ao piano de Victor Feldman e o expressivo vocal de Fagen são realmente marcantes, e o solo de Walter Becker é um dos pouquíssimos momentos em que ele realmente brilha na guitarra.

I Got The News” tem a dúbia distinção de ser a música mais fraca do disco, mas mesmo assim é muito boa. “I Got The News” é quase uma tentativa de criar uma faixa de disco-music com uma pitada de jazz, cheia de inuendos na letra, o que prova que Becker e Fagen não estavam tão isolados, no final das contas. Outro destaque desta canção é, novamente, o trabalho vocal de Michael McDonald nas harmonias, e um outro solo de Becker.

O disco termina com “Josie”, a única música do disco em que Fagen exercita toda a sua ironia e seu sarcasmo, contando a história de um grupo de jovens arruaceiros, que faz merda enquanto uma amiga (ou uma dorga, manolo) chamada Josie não chega. A música é um jazz-rock grooveado (com uma excelente aparição de uma lenda da bateria, Jim Keltner), e com um tema e um refrão memoráveis.



Com Aja, o Steely Dan realmente atingiu o ápice, tanto artístico quanto comercial, devido ao sucesso de “Peg”, “Deacon Blues” e “Josie” nas rádios. Apesar de hoje ser um disco esquecido, praticamente, Aja é uma obra essencial para as pessoas com bom gosto musical.

Bom, pissoas, muito obrigado pelos seus tempos gastos nesta leitura e aguardem o próximo artigo, que estará no ar em breve (aceito sugestões de tema :p).

3 comentários:

  1. Fred, seu gosto musical é monstruoso de bom.
    É só isso que eu tenho a dizer.

    :*

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  2. Excelente resenha e análise de cada faixa, iluminou muito minhas audições desse discaço, classudo e requintado a não poder mais. Sem dúvida, O Steely Dan é o melhor grupo de música pop,no sentido mais amplo do termo, que já passou pelo mundo. E parabéns pelo blog.

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  3. esse disco quase não sai do cd player do meu carro.
    Essa duplinha ai é da pesada..o mais alto nivel musical,qualquer cidadão com dois neurônios ou mais e que curta musica realmente boa ..corra atrás da discografia do Steely Dan.
    Sou guitarrista e gosto muito do trabalho de guitarra nos discos do steely dan desde de quando a banda contava com o excepcional Jeff "Skunk" Baxter,até Larry Calton e sua guitarra Jazz classuda.
    ESTILOSOS DEMAIS..
    parabéns pela bela resenha..

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